O melhor dos mundos para um filme é quando ele representa o espírito do seu tempo, o chamado zeitgeist. ‘Matrix’, há exatos quinze anos, colocava não exatamente o cinema, mas Hollywood mesmo, dentro do turbilhão do século 21.
Você pode não lembrar, no entanto, em 1999, muita coisa era diferente até mesmo para os padrões americanos – o compartilhamento de arquivos pela Internet era embrionário, por exemplo, só que a rede começava a fazer parte das nossas vidas, abrindo milhares de oportunidades.
Neste sentido, é possível fazer uma analogia automática entre todos nós e Neo (personagem que transformou Keanu Reeves em astro). Tanto ele como nós mergulhamos – sem volta – em uma odisseia tecnológica, em que o real e o imaginário se confundem, se mesclam e se complementam. Esta é a primeira razão para o sucesso do longa-metragem, mas há muitas outras.
Foi um dos louváveis casos do cinema comercial recente- dos anos 80 para cá – em que a embalagem fazia jus ao seu conteúdo. O visual dos cenários, dos figurinos e até da linguagem cinematográfica, que combinava elegante decadência com uma certa e dura insipidez, foi um sucesso instantâneo, e é referência até hoje. Perdemos a conta de ver uma cena, um anúncio ou coisa que o valha e pensar como fazia lembrar ‘Matrix’. A sequência do personagem de Reeves desviando das balas em slow motion é emblemática.
O conceito do filme também não poderia ser mais oportuno, constituído de recortes que levavam do pop, com as histórias em quadrinhos, ao erudito – mas na medida certa, sem excluir o espectador médio. Filmes baratos de Hong Kong sobre kung fu, ‘O Exterminador do Futuro’ e Kant na mesma discussão, não é sempre que se vê isso com tamanha fluidez. A cara da web também, convenhamos.Interessante observar também, com a distância do tempo, como ‘Matrix’ à época se tornou o maior evento do cinema comercial da virada do século, eclipsando principalmente as prequelas de ‘Star Wars’ que viriam meses depois. Fácil de entender. ‘Matrix’ era o presente e o futuro, a volta do universo de George Lucas apenas o passado.
Mais triste é observar como a obra-prima se tornou um problema para a continuidade da carreira dos seus autores, os Irmãos Wachowski. Tudo por que eles perderam completamente a mão em suas continuações, ‘Reloaded’ e ‘Revolutions’, que não tinham o mesmo equilíbrio na sua forma e conteúdo. Parece incrível, mas há cenas nas duas sequências que parecem mais velhas e datadas do que no original, e há outras que são cafonas mesmo. Irmãos albinos, raves no subsolo do planeta e diálogos profundos (“pero no mucho”) sobre nossa vã existência fazem parte do desastroso pacote que não arranhou a reputação do primeiro filme, mas impossibilitaram o crescimento do universo. Em todo caso, ainda bem, sempre teremos ‘Matrix’.
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