Ainda de rastos com a morte prematura de Sérgio Luther Rescova, o jornalista Cabingano Manuel revelou de forma inédita em um longo texto que foi o Governador do Uíge que há 10 anos, pagou o seu mestrado em jornalismo no Brasil.
A história remota em 2010, a quando da actividade do CANFEU, na província do Uíge, quando na altura o inexperiente jornalista foi indicado pela TPA para fazer a cobertura do Campo Nacional de Férias dos Estudantes Universitários, organizado pela JMPLA, que tinha Sérgio Luther Rescova Joaquim como 1º secretário Nacional do organismo.
Veja abaixo o texto na integra:
“Foi em 2010, quando fui indicado pela direcção de informação da TPA, para repórter no CANFEU que decorreu na província do Uíge. Confesso que na época, não conhecia, pessoalmente, o Secretário Nacional da JMPLA, o jovem de 30 anos, na época, Sérgio Luther Rescova Joaquim. Apenas ouvi falar do seu nome.
A memória nunca me deixou escapar de forma telegráfica o episódio que mudou a minha vida enquanto profissional e revelou o irmão que a vida apresentou-me. Vamos à ela:
Estávamos no pavilhão gimno-desportivo do Uíge, lotado de jovens universitários, para a cerimônia de abertura do tão esperado CANFEU2010. Na tribuna, Luther Rescova e as autoridades da província. Na quadra, eu, o repórter inexperiente que se iniciava há três anos, na actividade jornalística. Ao olhar para a colocação do microfone na tribuna, decidi subir para posicionar melhor, pois estava a ser “engolido” pelos microfones de outros órgãos destacados para a mesma cobertura. Quando coloquei a mão para reposicionar o microfone, alguém levantou-se, rapidamente e quase que inclinado para frente, disse: “CABINGANO preciso falar contigo”. Olhei, sem o reconhecer, respondi: “Está bem, depois da cerimônia”.
Desci da tribuna e fui perguntar ao meu colega, repórter de imagem, quem era a figura que me abordara.
“Meu, quem é aquele jovem claro entre o Governador e a Secretário da Juventude?” O meu colega respondeu: “É o Luther Rescova, o Secretário Nacional da JMPLA”. Acusei vergonha, por não conhecer o protagonista do acto. Mas, levantei a cabeça e fixei o rosto dele para sempre.
Naquele dia, Luther Rescova fez um discurso muito aplaudido. Pelo que percebi, era um líder carismático, muito querido, principalmente, entre os jovens do seu partido.
Já de noite, fiquei com a missão de fazer um directo para o Telejornal, com Luther Rescova como meu entrevistado. Estaríamos juntos pela primeira vez, num frente a frente, depois do seu pedido para conversarmos.
Bem disposto, Rescova chegou ao local do directo acompanhado de alguns jovens. Afável, abordou a nossa equipa de reportagem, um a um, pelo nome. Sempre sorridente e brincalhão. Na hora da entrevista, manteve-se sério e assertivo nas respostas. Passou a mensagem que pretendia.
Feito o directo para o Telejornal, o jovem Rescova chamou-me em separado e disse algo que direi aqui, pela primeira vez, publicamente porque ele nunca usou isso como bandeira, pois o fez de coração, sem compromissos periféricos ao amor ao próximo.
Rescova:
“Cabingano vi a reportagem da tua defesa de tese no ISCED, ouvi o teu pai falar emocionado pela tua conquista e vi-me em ti. A tua história de vida é muito parecida à minha. Estás de parabéns”.
Surpreso por saber que ele acompanhava o meu percurso, só restou-me agradecer.
“Muito obrigado”.
Só que não era tudo o que o jovem Rescova tinha para me dizer, naquela noite fria, na província do Uíge.
Rescova:
“Estás a vir de longe… desde as novelas que te sigo e agora como repórter vejo que és muito batalhador. Tens muito potencial. Tu ainda vais chegar muito longe. Quero ajudar-te”, rematou.
Ao ouvir o “quero ajudar-te” fiquei ansioso pelo que ele diria a seguir. Pretendia saber como desejava ajudar-me. E ele, desafia os meus pensamentos e diz:
“Escolhe um país para fazer o mestrado em Jornalismo que eu pago”
Naquele instante, várias coisas passaram pela minha cabeça, tão grande que era a surpresa. Mantive-me calado Acto continuo, Rescova insiste:
“Faça um levantamento das necessidades com aluguel de apartamento, valor de propinas e alimentação no país que escolheres e, avisa-me”.
Confesso que achei que fosse apenas mais um político a fazer promessas. Aceitei só já para não ser deselegante. Trocamos os contactos e nada mais falamos. Cada um foi para o seu caminho.
De regresso à Luanda, contei ao meu irmão mais velho, Vicente Manuel e a minha esposa o que o Rescova prometeu-me. Surpresos, disseram que o melhor era aguardarmos para ver no que dava.
Passadas duas semanas, o meu telefone tocou. Era o Rescova do outro lado. Quando atendi, ouvi uma pergunta que revelou a pessoa de compromisso que era:
“Mano, como é? Já tens o levantamento dos custos? Já sabes onde queres fazer o mestrado?
E eu que não tinha sequer me preocupado com o levantamento, tive que mentir que já o tinha feito e que, rapidamente, o faria chegar. Naquele dia, percebi que a conversa que tive com ele no Uíge, foi com o ser humano Luther Rescova e não com o político. Imediatamente, meti-me a procura de soluções no Brasil, através da internet, por ser um país que já conhecia, minimamente.
Quando nos encontramos pela segunda vez, depois do CANFEU, apresentei o levantamento das necessidades. Agarrou nas folhas de papel que o entreguei e disse:
“Mano, escolheste um bom país para a especialidade em Jornalismo Investigativo. O Brasil é uma grande escola. Vamos avançar”.
Quem no meu lugar não ficaria feliz, com o momento que estava a viver? Eu estava diante de um jovem com valores cristãos, comprometido com as pessoas. No mesmo instante, Luther Rescova pediu-me as coordenadas bancárias e prometeu depositar o valor da passagem, alimentação e hospedagem para que eu fosse, imediatamente, para o Brasil. E, assim procedeu, sem titubear.
Na TPA, formalizei a minha saída para formação acadêmica no Brasil. Na época o PCA era o Tony Henriques Silva que despachou favoravelmente, mantendo o meu salário base.
No Brasil, fiz duas pós-graduações, com o apoio do irmão mais velho que a vida cuidou de me apresentar. Conselheiro, amigo e grande motivador, Luther Rescova nunca me deixou na mão. Era um irmão de facto. Nunca precisou de fazer vaidade com a ajuda que me prestou e sempre que tentei agradecer, cortava-me dizendo: “Tu és meu irmão” . Incentivou-me a estudar e mandar trabalhos para a TPA mesmo quando um iluminado decidiu cortar-me o mínimo que me era pago. Quando pela Semba comecei a fazer o programa Gente da Banda, a minha condição financeira no Brasil ficou muito melhor. Liguei a meu irmão Rescova e disse:
“Mano, não precisa te preocupar tanto comigo porque agora tenho um salário adicional que está a ajudar a manter aqui as coisas”. Ele no auge do amor ao proximo disse:
“Compadre, tu aí precisas de não ficar apertado. Vou mandar sempre mais algum para as despesas com a minha família. Beijinhos a minha afilhada”.
Senão fosse por ele, não teria, certamente, conquistado tantas vitórias nessa profissão, nem você que lê essa história, admiraria o jornalista que o escreve. O Brasil foi de facto a escola de jornalismo que me faltava, depois de licenciado em Sociologia pelo ISCED de Luanda.
Hoje, sou quem sou também pela generosidade de Luther Rescova, o político, governador e acadêmico que o país chora. Eu choro de forma desesperada pela morte prematura do irmão que ganhei, do padrinho da minha primogênita, do amigo de todos os momentos Foram muitas histórias juntos que não cabem numa publicação. Aliás, já custou-me escrever esta
Rescova era a generosidade em pessoa. Para a sua memória, é importante que vocês conheçam essa história, porque em outro momento diriam que é bajulação.
Sérgio Luther Rescova, governador do Uíge e membro do Bureau Político do Comité Central do MPLA, faleceu na última sexta-feira (09), numa unidade hospitalar da capital do país (Luanda), vítima de doença.
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