A grave situação de carência alimentar e não só, no seio da maior parte das famílias de renda precária, aquelas que têm um rendimento diário no sector informal como é o caso das zungueiras, roboteiros, vendedores ambulantes, só aumentou fruto das medidas de prevenção da Covid-19.
A quase totalidade dos actores sociais, sobretudo ligados ao terceiro sector converge que a situação de carência é igual àquela dos anos 90 quando o País estava no auge da guerra. Com uma diferença abissal: naquela altura a comunidade internacional assumiu o abastecimento humanitário naquilo que foi uma das maiores operações do género até agora. Neste momento, a emergência humanitária que se desenha apenas conta com o executivo para a sua mitigação.
O Relatório de Pobreza de 2020 para Angola coloca diz que 4 em cada 10 angolanos, quase metade da população, têm um nível de consumo abaixo da linha de pobreza de 12,2 kwanzas (21 USD) por mês. 6 em cada 10 pessoas nas áreas rurais são pobres enquanto que nas áreas urbanas são 3 em cada 10. E as previsões internacionais são sombrias: o Programa Alimentar Mundial diz que 2021 será o ano de mais fome que se tem memória por causa de dois factores conjugados: os preços dos alimentos vão subir porque houve uma quebra grande na produção mundial e os recursos dos país para comprá-los são menores porque as economias entraram em grave recessão devido às medidas de prevenção da Covid 19.
Isso quer dizer que este ano os departamentos ministeriais responsáveis pela assistência e protecção social têm que gizar programas de assistência humanitária às classes mais vulneráveis dos países, e Angola não é excepção. Já se devia ter montado uma operação do género há pelo menos seis meses. Tal como o país está a usar os poucos recursos para o atendimento directo à Covid, tem que distribuir massivamente alimentos às pessoas. Senão corremos o risco de assistir cenários de mortes por fome. Isso se já não estiver a acontecer.
Uma operação destas, no entanto, terá que ainda assim manter as regras de distanciamento imperativas para as pessoas não se contaminarem. Tal como noutros países, as novas modalidades técnicas de assistência humanitária terão que ser feitas à distância para evitar aglomerações. E é aí que as TICs jogam um papel de suma importância. Por essa via, as pessoas podem aceder a essa ajuda como já acontece noutros países, África do Sul, por exemplo.
É verdade que a exclusão digital é um efeito da pobreza; ela também pode perpetuar e sustentar a pobreza em todo o país. A exclusão digital em um nível prático significa que nem todas as pessoas, os pobres principalmente não têm a capacidade de acessar a conectividade digital e os serviços de forma equitativa. Em Angola, este nível de disparidade e desigualdade é especialmente desafiador. Os mais ricos têm mais oportunidades, recursos e capacidade de acesso aos serviços digitais do que aqueles com meios limitados. A falta de acesso à tecnologia pode estender a pobreza ao restringir as oportunidades de mobilidade social. Uma ligação à Internet com um smartphone ou outro dispositivo inteligente (computador, smart TV, portátil ou tablet) é um luxo inacessível para muitos milhões de pessoas em Angola. No final do terceiro trimestre de 2020, Angola tinha uma penetração no mercado de smartphones de apenas 24,3%. Os telefones com recursos de custo mais baixo ainda alcançaram penetração de mercado de 16,9%, deixando um espaço substancial para crescimento e maturação no mercado. É por isso que a inclusão digital deve ser parte dos programas de assistência humanitária ou outros de protecção social, pois neste contexto de pandemia, possibilita que as pessoas recebam as informações, serviços e até mesmo ajuda financeira sem precisarem de sair de casa, como já acontece com o projecto “Kwenda”.
Também no esforço que já se adivinha do combate à fome que ameaça metade da população do Pais, o investimento nas infraestruturas das tecnologias de informação e comunicação passa a assumir uma importância imediata. Com uma ligação de banda larga de qualidade e um smartphone, as pessoas popdem ter acesso a informações importantes sobre a pandemia, disponibilidade de empregos, apoio alimentar, empregos, escolaridade e muito mais. Seguindo os padrões actuais de assistência e protecção social, podem receber, em vez das famosas cestas básicas, um montante de dinheiro com o qual ele próprio vai à loja adquirir os alimentos e outros bens que necessita. O Projecto Kwenda está a fazer isso com êxito através de uma parceria com uma das redes de telefonia móvel e está a dar excelentes resultados, mesmo em localidades onde não existem bancos.
O mesmo está a acontecer ao acesso a educação de qualidade e habilidades. Desde as primeiras tele e rádio-aulas em Março deste ano, o uso das TICs para ministrar aulas à distância. Isso ajudará a reduzir a lacuna educacional entre as populações urbanas e rurais na medida que as barreiras ao acesso a conteúdo e ferramentas educacionais de qualidade são removidas. Já tem sido possível usando os métodos de entrega da Internet, a transmissão ao vivo de aulas e demonstrações, tarefas online e realização de testes. Com o tempo, pode-se adivinhar o uso de aplicativos de aprendizagem de Realidade Virtual e Realidade Aumentada.
Isso conduz à redução das assimetrias no acesso a serviços essenciais. O acesso equitativo a serviços digitais é um precursor para uma sociedade mais conectada, engajada e interagindo. E conduz também à inclusão de grupos excluídos. Elimina ou reduz substancialmente as barreiras experimentadas por grupos historicamente excluídos, incluindo mulheres, crianças e pessoas com deficiência. Já sabemos que as abordagens usadas em Angola nas zonas rurais não são as mesmas que as adequadas para as populações urbanas. Os níveis de educação e, claro, as habilidades digitais serão diferentes. Da mesma forma, as questões de acessibilidade de cada grupo devem ser consideradas. Pode haver serviços adicionais exigidos por esses grupos que exigirão mais serviços de nicho e conteúdo para garantir sua inclusão e participação.
A recente pandemia e o distanciamento social que o acompanha e as políticas de trabalho remoto que podem caracterizar a vida das pessoas em diferentes países globalmente nos mostram a importância da cobertura ubíqua de banda larga, bem como altas taxas de adoção e participação. Como tal, Angola não pode se dar ao luxo de seguir planos antigos e ritmo de entrega de metas de conectividade. O país deve ir além de uma abordagem de “business as usual” e perseguir o objectivo de conectar a última pessoa em Angola à banda larga de alta qualidade. Isto significa abordar vários constrangimentos e barreiras que bloqueiam o caminho para uma sociedade angolana totalmente conectada desde a implantação em massa de infraestruturas críticas de banda larga em áreas rurais e remotas até colmatar as lacunas de competências digitais na sociedade e, em particular, na força de trabalho e na criação de e conteúdo valioso para o consumo do angolano médio criado, preferencialmente por angolanos. Uma economia digital inclusiva e uma sociedade totalmente participativa estão do outro lado desta barreira invisível de exclusão e divisão digital. Alcançar este objectivo é um grande empreendimento que exige que os sectores público e privado, bem como agências de financiamento do desenvolvimento e ONGs em todo o mundo, dedicadas a erradicar a desigualdade digital em Angola, se unam e busquem esse objectivo comum. E isso tem que começar com o ataque (sem aspas) à fome que cobre como um véu negro uma percentagem cada vez maior da nossa população. Esse desafio não é para hoje; é para o ontem!.
Artigo de opinião: Celso Malavoleke