Vítimas de estupro abrem o coração: “Não denunciamos porque duvidam da nossa inocência”


Nos últimos tempos tem sido assustadora a forma como o índice de abusos sexuais tem crescido na sociedade angolana. Diariamente ouve-se relatos de crianças, adolescentes, jovens e senhoras que são brutalmente violentadas e em alguns casos assassinadas. Por esta razão o AngoRussia conversou com algumas vítimas, para saber a razão que faz com que na maior parte das vezes as mesmas não denunciem os agressores.

O estupro é o acto em que o agressor invade o corpo de uma pessoa, sem o seu consentimento válido, mediante uma conduta que resulte na penetração vaginal, anal ou oral, por insignificante que seja, com seu órgão sexual ou com qualquer objecto ou qualquer outra parte do corpo, por meio do uso de ameaça, força ou coerção. Geralmente o estupro está associado a outros crimes mais graves, inclusive à morte da vítima.

As entrevistadas, com idades compreendidas entre 15 e 27 anos de idade, que preferiram manter o anonimato no acto dos seus depoimentos por razões pessoais, começaram por dizer que sentem-se felizes pelos movimentos que têm sido criados na internet para apoiar e dar voz à vítimas que escolhem conviver com a dor e o trauma em silêncio, pois fazem com que se sintam acolhidas.

Na época em que sofreram abusos sexuais, todas as adolescentes e jovens que concederam entrevistas ao AngoRussia preferiram não denunciar os agressores por razoes distintas, medo de sofrer julgamento por parte da família, sentimento de impotência, ameaça de morte e principalmente pelo facto de que grande parte das vezes a sociedade e a justiça duvida da inocência das vítimas.

Ausência de denúncia por medo do julgamento por parte da família

Depoimento de Fátima (nome fictício): “Perdi os meus pais muito cedo e tive que viver com a irmã da minha mãe e com o marido dela. Aos meus 12 anos passava quase todas as tardes apenas com o meu tio, ele não trabalhava e a minha tia só voltava as 2o do trabalho. No início ele começou por fazer elogios estranhos sobre o meu corpo e depois de algum tempo começou a abusar de mim, me forçava a ter relações sexuais com ele sempre que a minha tia não estivesse em casa e dizia que não conseguia resistir ao meu corpo, porque supostamente era muito bem formado para a idade que tinha. Sofri calada porque várias vezes ouvi comentários de tios meus, irmãos da minha mãe, a dizerem que as “catorzinhas” são violadas porque são assanhadas e porque provocam os homens. Tive medo de contar a minha família e de ouvir deles que eu é que era a culpada. Aguentei até ter 18 anos, arranjei um emprego e saí da casa dos meus tios. Até hoje sofro com os traumas que ganhei por causa destes abusos. Não consigo me envolver emocionalmente com ninguém.

Ausência de denúncia por ameaças de morte

Depoimento de Rosa (nome fictício): “Cresci no Cazenga, em condições precárias e numa zona onde o nível de delinquência é muito elevado. A maioria dos jovens da minha rua não trabalhavam e passavam os dias e as noites a beber na rua e a controlar as meninas que passavam por eles. Estudava de tarde numa escola do primeiro de maio e as vezes os táxis de regresso à casa ficavam difíceis porque as paragens estavam sempre cheias, por causa disso houve um dia em que voltei para casa mais tarde que o normal , já havia escurecido e não havia luz no bairro. Fui agarrada e violada por um dos meus vizinhos em um beco que dava acesso à minha casa e ele me disse que se eu contasse o que tinha acontecido à alguém iria matar a mim e a minha família. Foi por isso que nunca denunciei, nem falei nada a ninguém.

Ausência de denúncia por sentimento de impotência

Depoimento de Augusta (nome fictício): Quando tinha 22 anos fui trabalhar numa oficina como secretária, e convivia apenas com homens. No início parecia tudo normal mas com o andar do tempo o comportamento do meu chefe, dono da oficina, começou a ser estranho. Ele pedia sempre para eu ficar depois do expediente terminar, alegando que precisaríamos arrumar alguns papéis e acertar algumas contas, então eu ficava. Uma vez, depois de muitas insinuações trancou as portas da empresa e me obrigou a ter relações sexuais com ele. Depois da violação me senti um lixo, me senti culpada, não conseguia falar com ninguém e nem sequer saía do quarto. Passei vários meses trancada em casa com medo de ir à rua e de ver pessoas. Me sentia em perigo mesmo dentro de casa. Me sentia completamente impotente.

Ausência de denúncia pela culpabilização da vítima

Depoimento de Júlia (nome fictício): “Fui violada por um primo durante um dos natais que a minha família completa passou em minha casa. Quando contei aos meus irmãos, disseram-me que eu gostava muito de me misturar com os rapazes e que aquilo só aconteceu porque a roupa que eu estava a usar não era adequada para usar quando se tem homens em casa porque os homens não sabem resistir. Se nem os meus próprios irmãos acreditaram na minha inocência e acharam que eu era a culpada, a polícia acreditaria? Claro que não. Foi por isso que nunca denunciei o meu primo e mesmo depois disso, fui obrigada a conviver com ele nos encontros de família.


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