Russos enchem lojas para se desfazerem da moeda que está a perder face ao dólar


O rublo encolhe, os moscovitas vão às compras. O ambiente que devia ser de pânico parece festivo, próprio da quadra natalícia, com as lojas dos centros comerciais da capital russa a vender como se não houvesse amanhã. Os preços convidam, porque, embora estejam a subir, ainda não reflectiram na totalidade a queda abrupta do rublo, o que faz de Moscovo uma das cidades mais apetecíveis para comprar produtos importados como malas Gucci, jóias, computadores Apple, máquinas fotográficas digitais, carros, apartamentos.

A lógica para muitos russos que não conseguiram trocar rublos por dólares ou euros, quando a moeda russa ainda não tinha atingido mínimos históricos, é simples: para quê ter rublos que amanhã podem não valer nada, se posso comprar hoje um BMW a preço de amigo, para amanhã o vender por um valor muito superior? E porquê não comprar já hoje, se amanhã os preços dos BMW podem disparar ou, simplesmente, deixar de haver mais BMW para comprar?

Várias empresas estrangeiras já suspenderam as exportações para a Rússia devido à tormenta que a moeda russa enfrenta, o que significa que muitos stocks se vão esgotar. A Ikea anunciou que já a partir desta quinta-feira iria aumentar os seus preços, até agora imbatíveis. Resultado: a loja de móveis sueca viveu dias de loucura no início desta semana, com enchentes de compradores até às duas da manhã. O mesmo aconteceu nas lojas da Apple, que anunciou a suspensão das suas vendas online para a Rússia.

Daí que os bancos também tenham filas de gente que se apressa a levantar as suas poupanças. Numa sucursal do Sberbank, Andrei Matrosov, engenheiro de profissão, era um homem indeciso sobre o que fazer aos seus rublos: comprar um carro, um apartamento ou algum tipo de activos financeiros? Do outro lado da rua, Galya, uma médica de meia-idade, acabara de comprar um gordo anel de ouro e dizia que ia continuar a fazer compras. “Acho que o rublo não vai parar de cair até ao final do ano, por isso agora vou à procura de móveis.”

“Quem não conseguiu trocar o seu dinheiro quando um dólar valia 35 ou 40 rublos já só está a pensar em maneiras de gastar rapidamente o seu dinheiro em bens de luxo antes que aconteça um enorme aumento de preços”, explicou ao Financial Times Viacheslav Trapeznikov, director da Associação de Construtores dos Urais. Mas avisa: “Esta tendência tem um prazo de validade.” Seja porque os preços vão, inevitavelmente, alinhar com o mergulho do rublo, seja porque a subida das taxas de juro vai ter impactos no consumo, além do efeito negativo que surge com o sentimento de incerteza sobre o futuro. Depois do ambiente de festa, espera-se a ressaca.

Num ano, menos 50% de valor
No início da semana, o rublo desvalorizou-se fortemente e, esta quarta-feira, antes da abertura do mercado, voltou a perder terreno em comparação com o dólar norte-americano e o euro. Com o rublo em queda livre, o Ministério das Finanças russo está a utilizar todas as armas que tem à disposição para tentar segurar a moeda nacional e evitar dias como o de esta terça-feira, em que a divisa russa chegou a recuar 20% face ao dólar e ao euro.

Nesta quarta-feira, Svetlana Nikitina, porta-voz do ministério, afirmou que o rublo está “extremamente desvalorizado” e, por isso, o Governo começou a vender divisas no mercado para tentar evitar um cenário idêntico ao de 1998, em que a moeda entrou em colapso e o país em incumprimento. Não foi adiantado o volume ou o tipo de activos que estão a ser vendidos.

Com a crise cambial, as bolsas europeias inauguraram o dia “no vermelho”, com Londres, Paris, Milão e Frankfurt a cair cerca de 1%. As consequências da desvalorização da moeda já estão também a afectar os investimentos em todo o mundo. De acordo com a Blooomberg, a Pacific Investment Management, por exemplo, enfrenta avultadas perdas nas obrigações russas que detém.

Na segunda-feira, o Banco Central da Rússia desembolsou 2000 milhões de dólares para tentar estabilizar a moeda. No dia seguinte, aumentou a taxa de juro de referência de 10,5% para 17%, considerando a situação “crítica”.

No acumulado do ano, o rublo desvalorizou-se 50%, fruto de um contexto político e económico atribulado. As sanções económicas e financeiras do Ocidente em resposta à ocupação da Crimeia e ao conflito na Ucrânia explicam a queda da moeda, tal como a derrapagem dos preços do petróleo, matéria-prima que vale 40% das receitas do Estado russo.

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