Abdullah perdeu tudo e agora só tem dois desejos. Que a sua história seja conhecida para que não aconteça mais, e ficar ao lado da campa da sua mulher e dois filhos a chorá-los.
Abdullah falou aos jornalistas em lágrimas à porta da morgue onde estavam Alan, o menino de 3 anos cujo corpo deu à costa em Bodrum e cuja imagem se tornou o símbolo dos refugiados que morrem na travessia do mediterrâneo, o irmão de cinco anos, e a mãe de ambos, de 35. O pai foi um dos poucos sobreviventes entre os 12 ocupantes do barco.
Esta sexta-feira, os corpos chegaram a Kobane, cidade síria perto da fronteira com a Turquia, para serem enterrados. No dia anterior, isto era o que Abdullah, 40 anos, desejava. “Só quero ficar perto deles”, dizia. “Perdi tudo”, repetia. “Não quero mais nada deste mundo. Poderiam oferecer-me todos os países do mundo, eu não os quereria. O que era precioso já não existe.” Abdullah regressou à cidade dominada pelos jihadistas de onde tão desesperadamente a sua família fugiu.
Ao falar aos jornalistas antes da partida, Abdullah disse querer apenas mais uma coisa: “a atenção do mundo para que possam impedir que isto aconteça a outros”, declarou à Reuters. “Que este seja o último”, pediu.
No Canadá, a irmã de Abdullah, Tina, também não conseguiu não chorar na conferência de imprensa. “Eles não mereciam morrer, não mereciam… Só queriam uma vida melhor”. A família estava a tentar pedir asilo no Canadá mas não conseguiu por não estarem registados como refugiados na Turquia.
Tima repetiu a mesma ideia que o irmão: “É demasiado tarde para salvar a família de Abdullah”, disse. “Mas vamos usar as nossas vozes para pedir mudanças e acabar este sofrimento.”
Entenda a triste história que tomou conta das redes sociais:
Um barco naufragou com 12 pessoas a bordo ao largo da Turquia. Os dois barcos partiram com refugiados, separadamente, de Akyarlar, perto da península turca de Bodrum. Um afundou-se — o menino afogado ia nesse barco. As imagens do seu pequeno corpo na praia, de barriga para baixo, começaram a correr mundo, nas manchetes dos jornais online e nas redes sociais. Num instante, tornaram-se as fotografias mais partilhadas com a hashtag KiyiyaVuranInsanlik — o naufrágio da humanidade.
Segundo a polícia turca, morreram 12 das pessoas que iam no barco que se afundou esta quarta-feira, incluindo uma mulher e cinco crianças, uma delas o menino que o polícia que parece engolir em seco leva no colo. Sete pessoas foram salvas, duas estão ainda desaparecidas. A polícia turca disse que estava a perder a esperança de encontrá-las com vida.
O destino das duas embarcações, com um total de 23 pessoas, era a ilha grega de Kos, no outro lado do Mediterrâneo. Ali, as autoridades disseram estar convencidas de que os mortos são sírios, oriundos de uma zona controlada pelo Estado Islâmico.
Kos tornou-se um íman para milhares de pessoas que arriscam a vida para chegar à União Europeia, fugindo de guerras, conflitos e perseguições. Também outras ilhas gregas os recebem: esta quarta-feira, 2500 refugiados, provavelmente também sírios (segundo a polícia), chegaram a Lesbos, dentro de 60 botes e outras embarcações frágeis.
Os números oficiais dizem que só este Verão no Mediterrâneo morreram 2500 pessoas que tentavam encontrar uma vida melhor na Europa.
AR/Publico