De algum tempo a esta parte, um grupo de adolescentes e jovens desenvolve operações de roubo de combustível por cima de carros em circulação, nas imediações do posto de enchimento da SONANGOL, localizado no bairro da Boavista, em Luanda, apurou O PAÍS de moradores próximos e camionistas.
O cenário ocorre perante os motoristas de camiões-cisternas concebidos para o transporte desses inflamáveis, que alegam não ter qualquer meio de defesa para impedir uma actividade que, segundo eles, compromete a sua prestação de conta no destino.
“Há vezes que nos apercebemos da presença destes indivíduos ali em cima do carro, mas vamos fazer o quê?”, Questionou um condutor que pediu para o seu nome não ser citado nesta reportagem, tendo revelado que as tentativas de resistência costumam a resultar em ameaça ou mesmo agressão, daí que a sua classe prefira ficar impávida diante das subtracções.
Na tentativa de explicar a forma como decorre a acção dos também conhecidos como garimpeiros de gasóleo e gasolina da Boavista, o motorista descreveu-a, alegando que os miúdos aproveitam o engarrafamento que, normalmente, se regista à saída dos camiões do posto de enchimento, sobem, destroem a fechadura da tampa da cisterna e com os seus baldes tiram o combustível, como se de água se tratasse.
Questionado sobre o grau de segurança que os garimpeiros possuem, ao ponto de não despejarem os inflamáveis antes de chegar ao chão, o automobilista disse que os marginais não actuam sozinhos, dispondo, na maior parte das vezes, de mais quatro elementos com tarefas bem definidas.
“Enquanto dois sobem para tirar combustível outros dois estão pendurados na zona intermédia da cisterna para facilitar a descida do produto sem vazamento”, explicou, acrescentando que o homem do chão é que corre com os baldes cheios nas mãos até aos esconderijos localizados nos arredores.
No passeio que margina as casas que se situam defronte do posto de enchimento da SONANGOL, OPAÍS constatou marcas de combustível pintando o pavimento, ao mesmo tempo que denunciavam o destino dos inflamáveis.
“O combustível não vai longe, é mesmo aqui nestas residências que fica à espera dos clientes que não podem comprá-lo nas bombas”, anunciou o motorista, tendo adiantado que a polícia não desconhece o garimpo e muito menos o destino do produto.
O condutor e seus colaboradores têm informado aos efectivos da esquadra policial da Boavista que, por sinal, não dista mais de um quilómetro do palco das operações e louvam o facto de ser por causa das rondas alternadas destes que os actores do garimpo estão a deixar de subir aos camiões-cisternas.
“Agora eles preferem mais destruir os tampões ou torneiras laterais para retirar o gasóleo ou a gasolina a exporem-se por cima das cisternas e serem surpreendidos pela polícia”, denunciou outro condutor que seguia a conversa, avaliando os prejuízos desta forma de roubo como mais elevados que os da primeira.
De acordo com este interlocutor, o roubo não deve constituir a única preocupação das pessoas, mas sim, o perigo que o próprio combustível representa fora de recipientes adequados, principalmente nos depositários adaptados, onde as crianças circulam muito próximas dos inflamáveis.
Acção dissimulada
Crianças da fase etária situada entre 12 e 16 anos constituem a classe de garimpeiros mais aparentes, já que um dos petizes revelou que os mais velhos dificilmente aparecem na cena.
Procurando perceber as causas da referida estratégia, a equipa desta reportagem deu de caras com o rapaz a assumir, em primeiro lugar, que são mais rápidos e flexíveis do que os adultos, para depois ouvi-lo dizer que, no caso de serem detidos pela polícia, há esperança de serem libertos devido à idade. Para desviar ainda mais a atenção dos agentes da ordem pública, os rapazes entregam-se à lavagem de carros, na área.
‘Desbobar’
A estratégia de se querer passar despercebido da fiscalização e controlo da polícia obrigou os actores a baptizarem a actividade com o nome de ‘desbobar’ e, consequentemente, de ‘desbobeiros’ os sujeitos da cena.
A explicação foi dada a este jornal por dois jovens abordados numa das cantinas do corredor do posto de enchimento.
Os mesmos não admitiram o seu envolvimento directo no roubo de combustível, mas confessaram que, quando pretendem aumentar cervejas na mesa e pagar refeições, dispõem-se a ajudar na venda do produto.
“Dedicamo-nos apenas na venda de combustível extraído das cisternas de camiões no bairro da Boavista, mas não somos desbobeiros”, negaram, adiantando que se aparecer outra coisa melhor para fazer não vacilariam.
A situação económico-financeira é avançada por todos como o motivo do recurso a uma prática da qual não descartam perigos e ilegalidades, por isso contaram histórias de colegas de ocupação como Vado-Sida, Camudiba e NGangula, atropelados mortalmente no cumprimento de acções do género.
“Caíram da cisterna e foram esmagados pelas rodas dos camiões”, recordaram entristecidos.
Contrariamente ao que costuma a acontecer em outros grupos, onde a morte de colegas tem sido motivo de desencorajamento de práticas ilícitas, entre os ‘desbobeiros’ o destino dos malogrados é visto como fruto de feitiço usados contra estes, ao ponto de não terem observado os cuidados habituais. “É só termos cuidado”, sacudiram a pressão, demonstrando, nesse momento, o seu envolvimento nas acções.
Os entrevistados têm consciência de que os atropelamentos mortais não constituem o único perigo, pois falaram de incêndios havidos nessa zona, sem terem descurado a possibilidade de acontecerem outros, já que, avançaram, a gasolina é guardada nas casas vizinhas de maneira escancarada.
Em relação à polícia, esclareceram que, na hora de tirar, um controla a polícia e outro começa a encher o balde com gasolina ou gasóleo. “Caso cheguem os agentes, deixamos os recipientes e fugimos, mas quando forem embora, voltamos a fazer o nosso trabalho”, rematou.
Fonte: Opais