Especial: Angola 12 anos de paz


Foi a 4 de Abril de 2002 que o povo angolano presenciou com entusiasmo, no Palácio dos Congressos, em Luanda, o abraço solidário entre filhos da mesma terra, até então separados pela guerra, numa cerimónia marcada pela assinatura do Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka (Zâmbia).

12 anos de paz

O Memorando de Entendimento de Luena foi assinado a 4 de Abril de 2002 na capital da província onde pouco mais de um mês antes, o líder histórico da UNITA, Jonas Savimbi, acabara a sua fuga em direcção à Zâmbia varado pelas balas das FAA. Nesse documento histórico figuram duas assinaturas, a do chefe do Estado-maior adjunto das Forças Armadas Angolanas, general Geraldo Sachipengo Nunda, e o então chefe do Alto Comando das FALA, general Abreu Muengo Ucuachitembo “Kamorteiro”, representando milhões de vontades de paz e reconciliação nacional que ainda hoje, 12 anos passados, se consolidam.

O Rede Angola pediu a algumas figuras de várias gerações e áreas de trabalho para escolherem uma música que simbolizasse a paz angolana (pode clicar para ouvir) e para responderem como acolheram na sua vida o momento do fim da longa guerra.

 MÚSICA: Teta Lando, “Reunir” (Funge de Domingo)

A música é dos anos 90, mas, pelo menos para a minha geração, cristalizou todos os nossos desejos e ânsias de Paz. Quando a Paz efectivamente chegou, já em 2002, testemunhámos como a juventude vibrava com ”Felicidade”, um tema musical do Sebem, que, entre outros, esteve na origem do kuduro.

A paz em Angola chegou, de repente, com a morte de Jonas Savimbi. O processo de paz seria mais longo e já havia começado com os Acordos de Lusaka. Soube da notícia, quando ainda vivia com o meu irmão Kady num pequeno apartamento, no centro de Madrid. Recebemos a noticia eufóricos e, também, inquietos porque temíamos que não fosse verdade: telefonámos logo para os nossos amigos em Luanda, que a confirmaram. O meu irmão tinha chegado a Espanha no Verão anterior e eu fazia de cicerone porque conhecia bem a sociedade, a língua e a cultura espanhola. À distância, como suponho ter acontecido com todo o pessoal da diáspora, embargou-nos um irresistível desejo de regressar a Angola. Como se estivéssemos a preparar o regresso, naqueles anos, além de terminar os estudos propriamente ditos, lemos muito, visitámos exposições, assistimos a concertos e, no geral, desfrutámos entusiasmados a noite madrilenha. Depois, o meu irmão e eu ainda começámos juntos a aventura parisiense mas, dois anos depois, regressaria definitivamente a Luanda e redescobriria a força e a vitalidade do país desde a perspectiva política e humanista mais ampla e interventiva.

Com a Paz, sentimos que poderíamos contribuir com os nossos grãos de areia para fazer de Angola um bom lugar para viver e termos a certeza de que viviremos melhor com uma visão universalista, que não abafe o nosso particularismo.

 MÚSICA: Lil-Pasta Sacerdote do Kuduro Angola meu país está a crescer”, de 2004. Depois da paz o nosso país cresceu em todo os sentidos, hoje temos esperança que podemos ser reconhecidos pelo que fazemos em qualquer ramo da sociedade. A notícia da paz em 2002 apanhou-me de supresa. Fiquei muito feliz porque, a partir daquele momento, seria fácil a comunicação entre as pessoas. A paz também me inspirou para fazer música.

Se, até 2002, mais de quatro milhões de angolanos eram deslocados, cerca de 170 mil eram portadores de deficiência e havia uma  taxa de desemprego que se aproximava dos 43 por cento, os últimos 12 anos estão registados como um dos períodos de maior crescimento económico, com sinais concretos de estabilização da inflação, suportada por uma política macroeconómica reconhecida pelas principais instituições internacionais.

MÚSICA: Matias Damásio “Angola (País Novo)”, porque espelha bem o trajecto para a paz desse povo.

Lembro-me de em 1992, por altura da guerra, das vidraças nas costas pelos tiros que teimavam em não ficar dentro dos

canos e dos obuses lançados no terraço do prédio. Lembro-me de só pensar em como estaria o passeio da rua onde brincava todos os dias. Tinha apenas 9 anos e esta era a minha maior preocupação.

Lembro-me de que estava no teatro e ia a sair com os meus colegas, quando soube da notícia. Estávamos em 2002 e eu tinha 19 anos. Foi realmente um momento de muita felicidade, o facto de saber que já não teria que passar por uma situação parecida, foi um grande alívio.

Nos dias de hoje, e porque me tornei mãe, há aquelas coisas que nós queremos muito mais pelos nosso filhos, para que cresçam de forma sã e façam de angola um país melhor a cada dia. É claro que há ainda muitas situações a serem resolvidas, mas precisamos de todos os angolanos para as solucionemos.

 MÚSICA: Os Génesis, “Paz em Angola”

Quando ouvi pela Rádio Nacional de Angola da  morte de Jonas Savimbi no dia 22 de Fevereiro de 2002, estava eu na Marginal de Luanda, na voz musical da Ciria de Castro anunciava a morte de velho Jonas, a primeira reação foi o que poderá acontecer em Angola depois deste acontecimento marcante? Fiquei expectante. Depois foi a chuva de informações e testemunhos sobre o percurso   político e militar do velho Jonas,  antevisão do futuro da UNITA. Lembro-me que ainda houve uma série de debates na LAC, sobre o futuro da UNITA, onde se ouviram várias virtudes de razão de diferentes intervenientes, desde académicos, políticos e militares que resultou num livro do Ismael Mateus, o moderador do programa.

Fiquei dividido na medida em que o futuro era imprevisível, não sabia com honestidade se aquela paz era real ou de efachada.

MÚSICA: Les Nubians, “Liberté – Nü Revolution” 

No ”fim da guerra” eu estava em Luanda, onde nasci, cresci e sempre vivi. Era mais nova e tinha outras prioridades própria da idade, contudo, com o fim da guerra fiquei contente tal como as pessoas que me circundavam, as conversas eram sempre em torno deste assunto e as pessoas passaram a depositar certo tipo de expectativas com relação ao país. Falava-se que as famílias voltariam a unir-se, que as pessoas poderiam regressar às suas terras de origem e reerguer-se lá, longe da sobrepovoada Luanda, falava-se de livre circulação de pessoas e bens, desenvolvimento económico, humano, etc.

De facto algumas chegaram a acontecer e isso sem dúvida pelo facto de Angola ter finalmente conhecido o calar das armas. O país conheceu alguns avanços, cresceu economicamente, mas não me parece que se tenha desenvolvido como tal. Angola, para além de economicamente crescer, fazer parte da lista dos países que mais cresceram nos últimos anos, precisa igualmente de desenvolver em todos os sentidos, precisamos de depender menos do petróleo, dos diamantes e avançar para agricultura; precisamos que os benefícios directos sejam mais notórios, que as famílias vivam com mais qualidade de vida, que vejam crescer o seu rendimento, as famílias precisam de ter mais acesso à educação como deve ser, precisam de instrução, uma ferramenta importantíssima para o crescimento e desenvolvimento das sociedades. Que os benefícios directos não se restrinjam a um grupo restrito, uma pequena minoria, precisamos de mais para todos nós, precisamos de igualdade e acima de tudo justiça.

Finalmente, que haja mais mais amor entre nós, que possamos encontrar paz e amor dentro de nós para que naturalmente passemos aos outros.

Angola assume-se como país do futuro, onde o Governo tem programas e metas orientados para a sua reconstrução e com um forte investimento no sector social.

 MÚSICA: Nzaji “Monetu Ua Kassule, Etu Tua N’angola” 

                     Ngola Ritmos “Muxima”

Confessando não ter ouvido para a música, ao antigo militante do MPLA e responsável pela rádio Angola Combatente, que de Brazzaville difundia notícias, músicas e mensagens para os angolanos no tempo da Guerra de Libertação Nacional, acabou por recordar duas das canções que passavam como as que se lembra quando pensa na paz: “Monetu Ua Kassule”, “Etu Tua N’angola”, dos Nzaji, e “Muxima”, mas “na interpretação dos Ngola Ritmos”, sublinha.

“Estava em Lisboa quando soube a notícia e lembro-me que senti um grande alívio por ter finalmente acabado a guerra civil em Angola, que tinha destruído tanta gente e tantos bens e, também, a convivência entre os angolanos. Era aquilo que desejava e para o qual trabalhar afincadamente através do Grupo de Reflexão em 1990/1991. Como cidadão angolano e político que lutou para que o povo não sofresse, esse foi um grande momento.”

 MÚSICA:  Matias Damásio “Angola (País Novo)”

Estava em Luanda a acompanhar os acontecimentos pela TPA. Senti-me aliviado, pois a carga da guerra já era insuportável. A guerra destruía todas as expectativas e a minha geração tinha perdido a esperança de voltar a viver em Paz. A minha geração tem sido contemporânea de todas as guerras, desde a luta pela independência. Espero, muito sinceramente, não ter que aturar uma nova guerra. A não ser que algum país estrangeiro invada o nosso país.

A Paz é um bem demasiado precioso para ser desperdiçado ou trocado por qualquer ambição pessoal de alguém, individual ou com outros coniventes. Sem Paz não há verdadeiro desenvolvimento, mesmo até que a economia cresça. A Paz e a estabilidade são também garantes da sustentabilidade, desde que acompanhadas de medidas e políticas correctas. O conflito e a guerra dão vantagem aos incompetentes e aos oportunistas, desestruturam a sociedade, quer material, quer moralmente. Corrompem a sociedade.

MÚSICA: Filipe Mukenga, “Angola no Coração” e Filipe Mukenga, “Fruto Maduro”

O músico e compositor angolano escolheu duas das suas canções quando lhe perguntámos sobre uma música da paz. A primeira, que se “transformou num hino”, chama-se “Angola no Coração”. A outra, escrita em parceira com Filipe Zau – “meu irmão e meu parceiro na arte da composição” – é o “Fruto Maduro”, cuja letra é um apelo à paz em Angola “que continua actual, porque o mundo continua mergulhado em conflitos”.

Em 2002, quando a paz foi declarada em Angola, Filipe Mukenga estava em Portugal, onde residia há mais de uma década. “Imediatamente decidi voltar”, conta o músico. “Estava bem em Portugal. Fiz muitos amigos ao longo dos 13 anos, tinha um agente que me fazia a agenda de espectáculos mas decidi regressar porque a minha terra estava em paz”, acrescentou.

MÚSICA: Ruy Mingas, “Os Meninos do Huambo”

No dia em que morreu o Jonas Savimbi e se alcançou a paz estava a gravar para tv a adaptação para teatro pelo Cândido Ferreira da novela do Manuel Rui Quem me Dera ser Onda com realização de Dias Júnior da TPA. O Mena Abrantes entrou no Elinga e anunciou a morte do Savimbi antes do comunicado oficial do governo. Ninguém acreditou e continuámos a gravar até que às 20 horas, se não me engano, se ouviu o anúncio oficial pela rádio sobre a sua morte. Fez-se silencio profundo, parou a gravação ao longe e ouvimos uns tiros e algumas buzinas a apitar. Arrumou-se pesarosamente o material, sentámo-nos à porta do Elinga sempre em silêncio até que nos apercebemos que estava connosco o filho do Savimbi, Sacaita, nosso amigo e vizinho que morava na pensão Kudissanga, após se ter rendido ao governo. Assim começou a minha paz.

MÚSICA: Paulo Flores, “Caboledo”, porque é uma música muito pacífica, que nos dá uma grande sensação de paz e liberdade quando a ouvimos.

Acho que sou das poucas angolanas que não viveu com intensidade a guerra em Angola. Tenho falado com amigos e amigas que tiveram experiências muito tristes que até hoje têm repercussão negativa nas suas vidas. Depois das eleições voltámos a entrar em guerra e foi a primeira vez que eu estive exposta a isso. Naquela altura todas as pessoas saíram a rua para lutar, mas a palavra de ordem era: combater a UNITA.

Começou a caça às bruxas. Qualquer desavença familiar ou entre vizinhos era pretexto para se dizer que o outro era da UNITA, muita gente foi morta assim. Eu tinha um tio que era membro da UNITA e não o escondia, visitava-nos várias vezes e sempre que o fazia, ia naqueles GMC que a UNITA usava na altura em que voltaram para a cidade. Uma vez, já ele tinha deixado de nos visitar, um vizinho foi dizer aos jovens que estavam a defender o bairro, que na nossa casa estávamos a esconder pessoas da UNITA.

O grupo foi lá a nossa casa, entrou no tanque de água para ver se não havia lá ninguém, vasculhou tudo e nessa busca, um deles acabou por disparar acidentalmente a arma que carregava. Mesmo depois da reforma que fizemos na casa, mantivemos o buraco para nos lembrarmos sempre. Eles só pararam depois de um vizinho confirmar a nossa história, de que realmente tínhamos um parente da UNITA mas que não estava lá e não nos visitava há muito. Essa foi a parte da guerra que eu vivi e senti.

Quando o Jonas Savimbi foi morto e se iniciou o processo de paz, para nós foi um alívio muito grande, porque independentemente de todos os recursos naturais, o mais importante que um país pode ter é paz. E todos os angolanos, sem excepção, queriam que fossem assinados os acordos de paz. E a forma pacífica como foi conduzido o processo, apesar de ter havido guerra antes, para nós foi muito bom. Mas ainda continuamos a sentir necessidade de uma reconciliação. A reconciliação não é algo que se escreva no papel e já está. É uma coisa que tem que vir de dentro das pessoas. E o que eu tenho verificado é que ainda há muito rancor, muita mágoa, muitos resquícios. Há necessidade de se criar uma comissão da verdade e da paz, para que as pessoas possam falar com os perpetradores das violações que aconteceram e assim se perdoarem e se entenderem. Caso contrário, sempre vamos ter essa sombra da guerra e não vamos viver a paz com a intensidade que realmente importa.

Nós (AJPD) continuámos a trabalhar (nos primeiros dias de paz), sempre tivemos televisão e rádio no escritório, e acompanhámos o processo todo, discutindo as várias questões que deviam ter sido levadas em conta, como as que já referi.

Com a paz, os angolanos estão não só a fazer conquistas económicas e sociais, como promovem a tolerância e o respeito pela diferença de opinião, bem como incentivam o sentimento patriótico aos jovens e crianças, ao mesmo tempo que trabalham no sentido de fortalecer as instituições de um Estado Democrático de Direito como premissa indispensável para encetar, com firmeza, novos passos rumo ao crescimento harmonioso do país.

Por:AR e Rede Angola

 


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