Bianca Gourgel estudante angolana na Inglaterra fala do seu dia-a-dia na terra da Rainha


Procurando saber mais sobre a diferença do sistema de ensino angolano em relação a de outros países, a AngoRussia foi a busca de vários estudantes angolanos que se encontram a frequentar o ensino superior  fora de Angola para conhecer um pouco das dificuldades que os mesmo passaram ou passam para se adaptar ao novo sistema de ensino em que são inseridos no país em que se encontram a fazer o ensino superior. A nossa primeira estudante num leque de várias entrevistas, é a jovem Bianca Gourgel residente no Reino Unido.

Bianca Gourgel, Foto: Adelson Cadete

Bianca Gourgel, 20 anos, estudante do 2º ano do curso de Psicologia da universidade de Sheffield “University of Sheffield”, arranjou um tempo no seu horário para uma entrevista com o nosso portal para contar um pouco do seu dia-a-dia como estudante angolana no exterior do país.

Residente na Inglaterra há mais de 7 anos, entre eles 5 anos na cidade de Londres, e 2 na cidade em que se encontra a frequentar o ensino superior,  Bianca disse que foi notável logo de principio, a diferença de cultura entre os dois países (Angola e Inglaterra). E, tendo em conta o quão multi-cultural é a capital (Londres), deu para observar as várias facetas da vida no geral.

Com este artigo, tenciona-se ilustrar de forma fidedigna a experiência da Bianca como residente e estudante, e por fim sublinhar algumas discrepancias no modo de vida no âmbito educacional entre Inglaterra e Angola, com a colaboração de alguns estudantes em Luanda.

A educação na Inglaterra

Uma perspectiva geral

O objectivo fundamental da educação Inglesa é desde cedo suscitar em cada aluno o interesse por um ramo e o seu plano de carreira profissional, para ao longo dos anos se desenvolver e refinar os mesmos até à fase universitária. Uma das formas em que esse objetivo é alcançado, é através da formação líder de cada escola. Na ‘The Ravenscroft school- a technology college’, onde estudei da 8a à 9a  classe, o foco é a formação em tecnologia. Em contraste, na ‘Maria Fidelis Catholic School FCJ’, onde continuei até 13o (equivalente ao  ano 0), o foco era na altura em humanidades, embora seja uma escola católica. O que a formação líder significa é que embora a escola em questão tenha recursos para outras disciplinas, o reconhecimento e investimento primordial está na formação líder da mesma.

Em retrospetiva apercebo-me que o propósito de cada instituição educacional é passar aos jovens estudantes um senso de independência guiada. Porém, eu assim como outros estudantes, sentimo-nos perdidos com tanta liberdade e as implicações de cada escolha.

Por exemplo, na 10ª e 11ª classes, os exames de aptidão são chamados GCSE’s (General Certificate of Secondary Education), que traduzido significa: Certificado geral da Educação Secundária. Perto da conclusão da 9a classe, para além das disciplinas obrigatórias, os estudantes têm ainda a oportunidade de escolher entre quatro a cinco disciplinas para estudar nos dois anos seguintes. Em todas as escolas, as disciplinas tradicionais (inglês, ciências, matemática) são obrigatórias. No entanto, cada escola pode ter outros requisitos, como por exemplo a Maria Fidelis, que acrescenta ao leque de disciplinas obrigatórias, a educação religiosa, sendo uma escola católica. De acordo com as opções disponíveis, escolhi francês, história e health and social care (equivalente a “saúde e bem estar social”). Na 10o classe, os alunos são apenas examinados por questões de preparação e avaliação de nível. Algumas disciplinas tais como health and social care são avaliadas por coursework (trabalho contínuo) em que ao longo de um certo prazo, geralmente um ano lectivo, o aluno produz uma espécie de tese acerca de um tópico relacionado, designado pelo professor.

Bianca Gourgel, Foto: Adelson Cadete

A conclusão dos GCSE’s determina o acesso a certas escolas ou colégios para a conclusão do médio e, caso o aluno queira dar término à vida académica, acesso à vida laboral. Os GCSE’s são ainda, o passaporte para os A-levels, cujo objetivo é a preparação do aluno para o curso universitário. O mesmo pode escolher entre três a quatro disciplinas que servirão de base para o curso. A parte mais difícil nesta fase é ter noção de quais as disciplinas consideradas adequadas por cada universidade, para o curso desejado.

A dada altura na Inglaterra, houve uma espécie revolução no sistema educacional, que baralhou muitas instituições e provou desvantajosa a escolha de certas disciplinas populares na fase dos A-levels, tais como como: media, citizenship (cidadania), gestão, direito… entre outras; pois estas passaram a ser consideradas redundantes no âmbito universitário para alguns cursos. Para exemplificar, um aluno que pretende estudar direito a nível universitário, deve antes adquirir habilidades tais como oralidade, eloquência, retórica e capacidade argumentativa. Logo, disciplinas como história, literatura e ciências políticas, são mais adequadas que o estudo de direito em si.

Isto, voltando ao meu ponto anterior acerca da nossa liberdade de escolha contra as consequências que cada qual carreta, não me afetou directamente pois as minhas disciplinas de eleição foram adequadas para o meu curso. Contudo, apercebi-me o sistema educacional Inglês, embora bem estruturado assim como reconhecido a nível mundial, não está ileso da necessidade de melhorias. Por isso, é de extrema importância que todo o estudante tome responsabilidade pelo seu ensino, acompanhando-o com um olho crítico, para não ficar à mercê das suas lacunas. Ora, num ponto de vista defensivo, o aluno não devia ser prejudicado por considerar todas as vertentes disponibilizadas pelo sistema de ensino, para atingir o seu objectivo. Por outro lado, tal carência no regime também pode ser encarado como uma vantagem, uma vez que o espaço para melhorias incita a criatividade e o espírito de inovação e só assim há progresso. Sem esquecer que a necessidade de analisar o mundo à nossa volta, torna-nos sagazes e independentes, o que de certa forma cumpre o propósito educacional ao qual me referi mais acima.  De qualquer forma, o progresso tem sido contínuo desde a minha experiência nesse nível de ensino, reforçando a ideia de que a Inglaterra tem de facto, um dos melhores sistemas educacionais.

Oportunidades de acesso garantidas pela educação inglesa

Todo o estudante tem o acompanhamento de instituições independentes como a “connections”, que trabalham também com estabelecimentos educacionais para assistir os alunos nas suas escolhas, duvidas relacionadas a carreiras, assim como preocupações ligadas à vida familiar, que possam afetar seu o desempenho durante o progresso académico. Para além desta, por vezes as escolas contratam empresas privadas para motivar os alunos com jogos interativos e educacionais, ofertas como oportunidades para participar em algum projeto, ou até mesmo satisfazer curiosidades acerca do mercado de trabalho ou do ensino superior, e assim sucessivamente.

As escolas presam também o desenvolvimento da cultura geral dos alunos com visitas de estudo, sendo elas uma forma de ensino suplementar, crucial para a aprendizagem. Estas às vezes também servem para recompensar os alunos por alguma conquista. Por exemplo a minha primeira visita ao “London Eye”, foi graças a ter ganho uma competição de tecnologia na minha primeira escola (the Ravenscroft school).

Há bastante encorajamento para que o aluno seja participador activo de assuntos actuais, quer sejam eles relacionados à escola ou não. Por exemplo, enquanto estive na Maria Fidelis, fui representante do conselho dos estudantes da minha classe na 10a e 11a classes e participei na equipe de debate ligada ao meu A-level de literatura Inglesa, para contestar a inflação das propinas universitárias.

Apesar de já não fazer parte do currículo escolar, no tempo em que estudei a 9o classe, o “work experience” era obrigatório durante duas semanas. O aluno tinha de procurar vagas em empresas, lojas, escolas ou qualquer outro estabelecimento que oferecesse estágios a estudantes, e aplicar para um posto. Com a ajuda de uma professora, consegui uma vaga excelente numa empresa de arquitetura, onde trabalhei por um período estendido com direito a remuneração, devido ao meu desempenho. Durante essa experiência, o aluno tinha de preencher uma agenda, onde ele declarava o horário de trabalho, as tarefas e lições do dia.

Ser estudante cá também tem outros benefícios como descontos de estudante nos transportes, em restaurantes, no cinema, em parques temáticos e em outras atrações, em lojas de varejo e assim sucessivamente.

A vida universitária

A universidade é um mundo aparte do resto. Eu escolhi sair de Londres e “expandir os horizontes” numa cultura diferente. Embora no mesmo país, as cidades têm uma forma de vida distinta. Por exemplo em Sheffield que é uma cidade nórdica, a vida é mais acessível, as pessoas têm um senso de comunidade mais vincado e por sua vez são mais simpáticas e tranquilas.

Tal como nas escolas, cada universidade é conhecida pelo seu sucesso e investimento numa formação específica. Na altura em que apliquei para Psicologia, a minha universidade estava entre as melhores para o curso no país. Cá, a reputação da universidade e do curso em questão na mesma, são  importantes para a competição no mercado de trabalho.

A melhor parte da vida universitária é a oportunidade de envolvimento com actividades extracurriculares tanto na universidade como fora. Na sua maior parte, as universidades (também dependendo do curso) têm um horário que permite ao aluno tempo para a consolidação da matéria, uma vida social moderada, actividades extracurriculares tais como: experiência laboral, participação em associações da universidade, que sejam do interesse do aluno nas áreas como desporto, arte, educação, cultura… entre outras. Logo, até o final do curso, o aluno terá tido a oportunidade para desenvolver traços, curiosidades, habilidades e motivação para aplicar uma larga experiência noutras dimensões da sua vida pessoal e profissional.

Na universidade participei no comité de psicologia, onde pude representar a voz dos estudantes no “modus operandi” do nosso ensino e aprendizagem.

A vida laboral de um estudante

Uma das maiores ênfases no desenvolvimento de um estudante cá, é a sua preparação como “cidadão do mundo”. Uma das formas em que isso é alcançado, é através da sua inserção no mercado de trabalho, para por em pratica a sabedoria académica e pessoal, assim como desenvolver habilidades reconhecidas universalmente ou relevantes para o curso do mesmo. Embora seja uma escolha que alguns decidem evitar até ao fim do curso universitário, outros por vários motivos, incluindo a independência financeira (um fator comum na realidade dos estudantes cá), preferem intercalar a vida de estudante e trabalhador assim que atingem a idade legal de 16 anos.

Enquanto estudante, eu tenho estado a elaborar o meu currículo desde os 17 anos. Ao passo que algumas experiências foram temporárias, outras continuam: o meu trabalho voluntariado como escritora e coeditora de uma revista local- a ‘afronoire’,  artista de voz ocasional para a Adelphi studios (empresa que oferece serviços de tradução, legendagem, dobragem, entre outros); assistente de serviço ao cliente para a Megabus (uma companhia que providência serviço expresso de autocarro com ligações nacionais e internacionais a custos baixos) e entrevistadora de pesquisa de mercado (market research) na minha universidade. Todos os trabalhos mencionados são part-time e dependem da altura do ano, sem ser o de escritora, que é a tempo inteiro.

Dependendo do contexto, um estudante recebe o salário mínimo. No entanto, certos trabalhos têm um salário geral que não fazem distinção no nível literário do funcionário mas focam-se na experiência, como por exemplo na Megabus. Por outro lado, trabalhos em Londres são melhor pagos do que em Sheffield, por exemplo. Isso talvez para balancear a disparidade no custo de vida, que em Londres é muito mais caro do que o resto. Ainda assim, de acordo com o meu conhecimento e experiência, os cargos no campo universitário, oferecem um salário maior que a média, talvez para incentivar e dar crédito ao estudante pelo empenho. Por exemplo na minha universidade, a maior parte dos trabalhos oferece em média £2.50 mais por hora, em comparação ao salário na zona para jovens com menos de 21 anos de idade.

Bianca Gourgel, Foto: Adelson Cadete

O contraste nos sistemas educacionais

Tendo em conta a disparidade no modo de vida e identidade cultural de cada país, não se admira que o sistema educacional de Angola e da Inglaterra sejam vastamente diferentes.

Uma das formas mais óbvias é a ligação das instituições educacionais com a experiência laboral do estudante. O acesso a estágios na Inglaterra faz parte do plano educacional e também está no interesse das empresas, ao passo que em Angola existe uma carência nesse aspecto, principalmente para estudantes de engenharia e outros cursos práticos que requerem “mãos à obra”.

Além disso, numa perspectiva cultural geral, a vida universitária na Inglaterra incentiva a independência de modo a que a vida familiar não seja tão integral como é em Angola, onde os jovens têm o acompanhamento próximo dos pais nos assuntos académicos, o que também é a realidade dos estudantes angolanos cá, que apesar de longe, as suas escolhas são baseadas na orientação dos seus educadores, de acordo com o estado do país ou mesmo o plano de carreira já estabelecido.

Tal independência cá, tem os seus benefícios como também tem os seus se nãos. Os estudantes cá são imergidos num mundo de preocupações ligadas a contratos, empréstimos e dívidas, o que pode ter repercussões negativas no aproveitamento académico noutras circunstâncias, na saúde mental do mesmo, uma vez em que a Inglaterra é um dos países com o nível mais alto de depressão entre os jovens no mundo. Isto porque, para os alunos que decidem estudar noutras cidades e/ou no campo universitário com outros colegas (o que é normal no primeiro ano), é necessário alugar um lugar para viver, onde as contas nem sempre estão incluídas na renda, embora esta seja acessível o suficiente para acomodar jovens estudantes.

Os bancos disponibilizam crédito para apoiar o custo de vida, de certa forma lucrando através das taxas, e como nem sempre esses são os fins para os quais os estudantes dependem do crédito, estes acabam por suster um ciclo vicioso. Por outro lado, a Inglaterra tem um sistema de empréstimo, do qual a maior parte das famílias depende por não ter meios para cobrir os custos a pronto. Seguindo a lógica de um antigo colega, Angola está muito longe de ter os seus jovens a desistir da educação universitária devido à inflação das propinas e a oferta de esquemas empresariais que supostamente possam servir de alternativa ao diploma.

E para finalizar, Bianca falou das vantagens de frequentar o ensino superior na terra da Rainha.

“Ser estudante na Inglaterra tem sido gratificante. Creio que as minhas experiências cá têm estado a contribuir de forma muito positiva para a formação do meu carácter e a minha visão do mundo, apesar de qualquer limitação ou obstáculo, que são claro, um aspeto da vida em qualquer parte do mundo. O meu objectivo é encará-los de forma construtiva e colher os benefícios. E é isso que eu aconselho- que enquanto estudantes, tirem proveito das vossas circunstâncias da melhor maneira possível.”, terminou a futura Psicóloga. 

Por: Bianca Gourgel

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