Home Notícias Após sofrer abuso sexual na infância, mulher se torna polícia e prende próprio agressor

Após sofrer abuso sexual na infância, mulher se torna polícia e prende próprio agressor

Por Victória Pinto

Quando tinha 9 anos, Jessica Martinelli foi vítima de um crime, que continuou ocorrendo por cerca de dois anos e meio. Aos 15, denunciou o abuso sexual, mas encontrou inúmeras dificuldades com cada autoridade que contactou. Aos 25 anos, pouco mais de um ano após se tornar polícia civil em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina, conseguiu prender, em 2016, o próprio agressor, um amigo da família.

Foto: DR

Oito anos depois, aos 33 anos, Jessica escreveu um livro, lançado no final do ano passado para contar essa história. A mulher resolveu relatar em “A Calha” o que aconteceu para trazer também conforto a outras pessoas que tenham sofrido crimes semelhantes e que sofreram com a desconfiança e a culpa.

“Por ser uma história realmente que eu sei que motiva as vítimas a denunciarem, a contar. Além de trazer uma certa justiça, porque muitas vítimas, eu ouvi isso, que a minha acção, o meu acto, de certa forma, trouxe conforto para elas. Porque muitas não tem mais como, pela questão de tempo, já não tem mais como prender o agressor”, disse ao g1.

No livro, Jéssica narra que os abusos ocorreram quando ela tinha entre 9 e 11 anos e meio, e só pararam depois que a amizade entre o agressor e a família dela rompeu. O homem tinha 33 anos quando os crimes começaram. A mulher, porém, assim como inúmeras mulheres vítimas de violência, não sentia uma abertura da própria família para contar o que aconteceu. “Mas eu tinha necessidade de desabafar. Então eu desabafava com amigas do colégio, ou uma vizinha minha”.

Uma dessas amigas contou para a mãe, que conversou com Jessica e a encorajou a relatar os abusos a alguém mais próximo. “Eu contei para quem eu confiava, que é a minha irmã”.

Nessa época, Jessica já estava com 15 anos. No mesmo dia, ela e a irmã foram à delegacia para denunciar o caso. Mas encontraram muitas dificuldades para que as autoridades levassem o caso a sério, segundo ela. “Eu tive que repetir milhares de vezes a mesma coisa, sabe?”, lamentou.

Jessica acredita que tudo o que aconteceu na juventude dela seja um dos motivos que a levou à escolha da profissão.

“Não é que entrei para polícia para prender. Porque eu não ia imaginar que um processo ia levar 10 anos. É que as coisas foram acontecendo. E deixar bem claro que as coisas só foram acontecendo porque eu ia movendo as coisas, senão não ia acontecer”.

O agressor foi preso em 22 de Dezembro de 2016. Jessica estava com a equipa na hora.

“Quando nós estávamos indo, era como se eu tivesse voltado aos 11 anos de idade. Eu estava na viatura, mas eu tinha um misto de coragem: ‘Eu sou uma policial, eu vim prender o cara que fez tudo que fez comigo’. E, ao mesmo tempo, dava aquela tremedeira, muita ansiedade, medo. Sei lá, medo de ele fazer alguma coisa para mim. Os meus colegas o revistaram, mas fui eu que bati a porta da cela. E a sensação realmente de encerramento de um ciclo de 10 anos. Um ciclo muito doloroso, que nenhuma vítima deveria ter que passar”, resumiu.

Como o agressor foi julgado com base numa norma anterior, já está em liberdade. “Eu acabei entrando na lei antiga, que eram os crimes contra os costumes. Hoje são crimes contra a dignidade sexual”.

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