Ondjaki promove “novas línguas portuguesas” em Pequim


Uma nova geração de autores lusófonos africanos usa “bué” palavras do tipo “desconseguir”, “bazar” e “à toa”, desenvolvendo à sua maneira a identidade expressa pelo romancista moçambicano Mia Couto: “A minha pátria é a minha língua portuguesa”.

É uma frase de Fernando Pessoa a que Mia Couto acrescentou um segundo “minha”, mas neste pronome possessivo cabe toda a liberdade: “É a minha língua portuguesa”, reafirmou o escritor angolano Ondjaki em Pequim.

“Eu tenho pelo menos duas línguas portuguesas: a que aprendi na escola e a que adquiri quando comecei a escrever”, disse Ondjaki na 9.ª edição do Bookworm Literary Festival, concluída hoje.

Ondjaki, 38 anos, galardoado em 2013 com Prémio José Saramago pelo romance “Os transparentes”, foi o único escritor de língua portuguesa presente no certame. (O brasileiro Cristóvão Tezza participou na edição do ano passado).

Durante duas semanas, o festival reuniu em Pequim uma centena de autores de vários continentes, entre os quais o franco-marroquino Tahar Ben Jelloun, o canadiano Dennis Bock e a chinesa Xiaolu Guo, radicada em Londres.

“Sou de Angola, mas não tenho a certeza se aquilo que faço é literatura angolana. Não ponho carimbo nas coisas: o meu trabalho não é esse”, afirmou Ondjaki.

Pseudónimo de Ndalu de Almeida, Ondjaki nasceu e cresceu em Luanda, filho de um engenheiro e de uma professora.

Num inglês fluente, contou que o seu nome literário “é uma palavra umbundu”, língua do sul de Angola, que tem vários significados, desde “guerreiro” a “traquinas”, e pode significar também “aquele que enfrenta desafios”.

“Há cerca de 3.000 palavras do português que são de origem africana”, disse.

Batuque, bunda, capanga, gingar, minhoca, missanga, moleque, parlapié e missanga são alguns exemplos mais conhecidos dessa influência.

Os pais de Ondjaki, ambos antigos militantes do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), conheceram-se na Tanzânia, ainda antes da independência do país. O avô materno, holandês, casou com “uma senhora negra de Cabinda”, no norte de Angola, e o avô paterno, “um pescador branco do Namibe”, no sul, casou com uma portuguesa.

Ondjaki também haveria de viajar muito: estudou sociologia em Lisboa e depois de um mestrado frustrado em Nova Iorque, vive agora no Brasil.

“Não gostei do frio. Estavam 23 graus negativos e sentia-se como menos 28 graus. Fiquei uma semana sem sair de casa”, contou o escritor acerca da sua passagem por Nova Iorque.

Ondjaki vive no Rio de Janeiro, mas continua a ir regularmente a Luanda: “A corrupção não é a única coisa que está a acontecer em Angola, no Uganda ou pela África fora. Há muitas coisas positivas a acontecer. São coisas por vezes invisíveis, mas o que interessa é que aconteçam”.

“Não é transmitir só as coisas positivas. É, antes, ocupar o espírito com coisas positivas (…) Não me posso permitir sentir qualquer espécie de pessimismo. Não é uma opção, é uma obrigação”, disse.

Entre os escritores que mais admira, Ondjaki começou por citar os compatriotas Luandino Vieira, Manuel Rui e Rui Duarte de Carvalho e, depois, Mia Couto, Guimarães Rosa, Manuel de Barros, Kafka, Kazantzaki, “Garcia Marques e os outros todos”.

“Quando se entra na literatura latino-americana já não se consegue sair”, rematou

Ondjaki já publicou cerca de vinte livros (poesia, teatro, contos, romance e literatura infantil) e está traduzido em mais de uma dezena de países, de Cuba à Suécia.

Em 2012, o jornal britânico The Guardian considerou-o um dos cinco melhores escritores africanos.

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