Muitos falaram, muitos calaram, outros tantos protestaram e ele fez um disco a contar tudo. Dr. Dre, agora com 50 anos e um dos músicos mais bem pagos do mundo, tem disco novo.
Dr. Dre é bom de ouvido — disso não há dúvidas. Além de ter criado batidas perfeitas que definiram o hip-hop a partir dos anos 1990 — em álbuns seminais como “The chronic”, de 1992, e no apadrinhamento e produção de nomes como Eminem, Snoop Dogg e 50 Cent —, ele é um dos criadores dos potentes (e caros) fones Beats by Dre. Popularizados graças à sua presença adornando o pescoço de estrelas da música, do cinema e dos esportes e vendidos em 2014 para a Apple, eles transformaram Dre — já um magnata por conta do seu selo, Aftermath Entertainment, absorvido pela Universal — em “um bilionário”, como gabou-se em recente entrevista.
E é assim, como um poderoso chefão da indústria do entretenimento, que ele, ironicamente, tenta relembrar os tempos de gueto em “Compton”, seu primeiro álbum em 16 anos (desde “2001”, lançado em 1999) e também seu derradeiro trabalho. Inspirado na cinebiografia “Straight outta Compton”, sobre o o incendiário e controvertido grupo de gangsta rap N.W.A., do qual fez parte ao lado de Ice Cube e Eazy-E (morto por Aids em 1995), o disco chegou à loja digital da Apple — onde é exclusivo por duas semanas — sem grandes anúncios, encerrando, assim, a novela em torno de “Detox”, que seria o esperado sucessor de “2001”, mas que acabou por ser engavetado após Dre, assumido perfeccionista, ter-se declarado insatisfeito com seus inúmeros esboços.
Sem o peso da expectativa que marcou “Detox”, “Compton” chega com uma introdução (uma obsessão nesse universo), com a voz de um narrador de televisão a contar como o local se transformou de um pacato subúrbio de Los Angeles em uma das regiões mais perigosas dos EUA, dominada por gangues em constantes batalhas, e abre, de fato, com “Talk about it”, trazendo um mau sinal: as vozes dos rappers King Mez e Justus com autotune (afinamento automático), recurso cada vez mais comum no pop e na chamada EDM. Além desses dois, novas apostas de Dre, “Compton” traz outros 16 vocalistas convidados — entre eles, craques como Kendrick Lamar e veteranos como os próprios Snoop Dogg, Eminem e Ice Cube — e nada menos do que 17 co-produtores (a lista inclui Focus, filho de Bernard Edwards, saudoso baixista do grupo Chic).
O modo de operação não surpreende. Afinal, foi de forma coletiva que Dre brilhou em “The chronic” e “2001”. O problema é que a nova turma de protegidos pelo poderoso não tem a mesma força do seu antigo exército, e isso parece se refletir no balanço irregular de “Compton”. Com vozes genéricas se sucedendo entre suas 16 faixas — nem mesmo Dogg, Eminem e Cube soam como eles próprios —, “Compton” garante-se na antiga magia de Dre na produção e na mesa de mixagem, ainda capaz de extrair sonoridades bombásticas e cristalinas, como “Genocide”, “One shot one kill” e “Loose cannons”.
Curiosamente, é um outro antigo parceiro, DJ Premier, quem traz de volta o estilo que marcou Dre, o G-Funk, balanço inspirado por George Clinton e seu Parliament, em “Animals”. É justo a faixa que conecta os pontos entre o ambiente que fez o N.W.A. cantar “Fuck tha police”, em 1988, e este atual que gerou os protestos de Ferguson, com afiadas rimas de Anderson .Paak sobre racismo e violência policial. É pouco, porém, para transformar “Compton”, de um remake do passado com efeitos especiais, na esperada trilha sonora da vida de Dre, um pesadelo que virou um sonho americano.